Troca do CDI está em estudo 11/06/2004

O Banco Central e o Tesouro Nacional estudam uma forma de substituir o CDI (Certificado de Depósito Interbancário) como referência das aplicações financeiras. O CDI, principal benchmark (referência) do sistema financeiro brasileiro, é uma taxa distorcida, formada em um mercado de baixa liquidez e concentrado nas mãos de cinco grandes bancos, diz o chefe do Departamento de Mercado Aberto (Demab) do Banco Central (BC), Sérgio Goldenstein. “É uma distorção o CDI ficar abaixo da Selic. É uma ineficiência do sistema financeiro”, diz.

O chefe do Departamento de Mercado Aberto (Demab) do Banco Central (BC), Sérgio Goldenstein, explica porque não é o ideal utilizar o CDI como referência das aplicações. “A preocupação é a má formação da taxa (CDI) que é o grande benchmark do sistema financeiro. Serve de referência para fundos de investimento, CDBs, emissão de debêntures, contratos na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros). Tem liquidez muito pequena, insignificante em relação à Selic. O correto seria a Selic ser a referência, porque é a taxa que representa o custo monetário no mercado. Estamos discutindo alternativas para desestimular o uso do CDI como referencial”, diz Goldenstein.

Segundo o chefe do Demab, há dois meses, o BC e o Tesouro Nacional debatem essa questão, inclusive em reunião realizada com a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) ocorreu na semana passada. Um dos itens discutidos foi como dar ao investidor um melhor parâmetro dos seus rendimentos. As opções em estudo não podem ser adiantadas, no entanto, diz Goldenstein. Segundo ele, além dos estudos em andamento no BC, a Anbid comprometeu-se a apresentar propostas para a próxima reunião, ainda sem data marcada. “A idéia é divulgar as medidas ainda nesse ano”, diz.

- O dano é em termos de transparência, não de rentabilidade. Seria mais transparente para o investidor se o benchmark fosse a Selic, ao invés do CDI. Sem contar que o maior ativo dos fundos de investimento são as LFTs (Letras Financeiras do Tesouro), que rendem Selic, ou seja, têm rentabilidade superior a 100% do CDI - diz Sérgio Goldenstein, lembrando que o investidor paga taxa de administração nos fundos.

Para o vice-presidente da Anbid, Marcelo Giufrida, a troca do CDI como referência esbarra no problema de muitos contratos terem sido feitos a partir desse indicador.

- O fato do CDI ter sido mantido é decorrente de questões contratuais. Debêntures, commercial papers são referenciados em CDI. Se extingüir o indicador, pode levar ao rompimento dos contratos. O CDI tem que continuar a ser calculado por um tempo para não gerar pendências. Se não sincronizar essa mudança, pode desequilibrar o mercado inteiro. Só o Governo pode patrocinar essa mudança - diz Giufrida.

O vice-presidente da Anbid defende-se das acusações de especialistas de mercado de que a indústria de fundos seria a grande interessada na permanência do CDI como referência, abaixo da taxa Selic. “Não interessa aos administradores de fundos o uso de um benchmark diário para comparar rentabilidade. Preferem um indicador de referência mais longo”, diz.

A Selic e o CDI são taxas para negócios no overnight (de um dia para outro), usadas no mercado interbancário. “A Selic não é uma taxa pública”, ressalta o chefe do Demab. A Selic engloba todas as operações compromissadas, realizadas no overnight, pelo Banco Central e pelo mercado interbancário. E o que caracteriza os negócios com a Selic é o lastro, ou seja, a garantia da operação ser em títulos públicos, diz Goldenstein.

- Só que as operações do BC não representam a maioria das operações do overnight, com a Selic. Mesmo que o BC fizesse um volume maior, seria uma taxa mais competitiva. E na operação com CDI não existe colateral. Por consequência, é operação mais arriscada do que as compromissadas (com Selic). Então, o CDI deveria ser maior do que a Selic - conclui.

O mercado de Selic gira diariamente cerca de R$ 60 bilhões, diz Goldenstein, sendo que a atuação do BC nesse mercado “é residual”. “Dificilmente passa de R$ 10 bilhões (em um dia), e tem dia que o BC não atua e o mercado gira sozinho R$ 60 bilhões. O maior volume das operações do BC não são no overnight, são em operações compromissadas de duas semanas e de três meses. Sempre que o BC atua no overnight é de forma residual”, diz o chefe do Demab.

Apesar do vice-presidente da Anbid, Marcelo Giufrida, apontar a implantação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), em abril de 2002, como um dos principais motivos para a redução dos negócios no CDI, o chefe do Demab discorda.

- Há dois anos, quando a maior parte dos negócios eram em ADM (cheque administrativo compensado no dia seguinte), o CDI era representativo, era a remuneração sobre um cheque que ainda não tinha sido compensado, e o cheque valia menos do que dinheiro vivo. O SPB diminuiu o risco do mercado e uma das consequências foi que as operações interfinanceiras foram unificadas. Não há mais diferença entre recursos passados no ADM e por reserva (liquidação no mesmo dia). Tudo passou a ser em reserva. Hoje, o CDI é para sobra. As instituições descobrem que estão com dinheiro em caixa; quem toma o dinheiro está em situação de vantagem, e oferece uma taxa um pouco menor - diz o vice-presidente da Anbid, Marcelo Giufrida. No entanto, existem operações mais lucrativas no mercado, segundo os operadores.

De acordo com dados fornecidos pela Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos (Cetip), que começa a série histórica em 1994, o volume negociado no CDI naquela época era superior ao de hoje. No dia 29 de julho daquele ano, o giro no CDI foi de R$ 3,8 bilhões. Cinco anos depois, no dia 30 de julho de 1999, o giro foi de R$ 1,908 bilhão. Poucos meses após a implantação do SPB, no dia 31 de julho de 2002, o giro no CDI foi de R$ 1,267 bilhão. Na última terça-feira, o giro foi de R$ 1,069 bilhão.

Enquanto Marcelo Giufrida, da Associação Nacional dos Bancos de Investimento, diz que a taxa menor do CDI é uma punição para as instituições que não se zeraram nas operações de go around feitas pelo Banco Central de manhã, Sérgio Goldenstein, chefe do Departamento de Mercado Aberto do BC, diz que se os bancos ficam com sobra de recursos é porque foram “ineficientes”. “E a sobra do dinheiro não vai para o CDI. Vai para o Selic. E no mercado de Selic, a participação do BC é minoritária”, diz o chefe do Demab.

De janeiro a maio deste ano, de acordo com Goldenstein, as cinco maiores instituições doadoras de recursos ao mercado representavam 83% dos negócios com CDI, e 44% dos negócios na Selic. “O que a gente vê é que o CDI é um mercado com giro muito menor e mais concentrado”, diz, sem informar quais seriam as instituições responsáveis pela formação do CDI. Ele observa que, apesar da forte correlação entre as taxas de CDI e de Selic, “nada garante que no futuro haja má formação”.

Segundo Sérgio Goldenstein, a perda de importância do CDI ocorre há cerca de uma década. O aumento vertiginoso da dívida pública nos últimos dez anos deixou os bancos repletos de títulos públicos em carteira, de acordo com o chefe do Demab, o que contribuiu para a redução dos negócios no CDI. “Teve época que alguns bancos públicos passavam dinheiro no CDI para financiar alguns bancos privados. Com o aumento da dívida pública, os bancos estão recheados de títulos. Então, porque vão operar sem lastro se podem operar com lastro?”, questiona.

Fonte: Jornal do Commercio - Daniela Pizzolato